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Os caminhos da Consciência Negra na defesa dos direitos humanos

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    ASCOM
  • há 1 hora
  • 4 min de leitura

20/11/2025


“Folga nego, folga que sua Ngola Djanga hoje é uma nação”


Por Vinicius Souza


É um desafio precisar exatamente o que é a chamada consciência negra, podendo ser tão somente um novo feriado nacional que reconhece a importância do papel das populações negras para a história do Brasil em um país no qual racismo é um crime inafiançável e imprescritível conforme a Constituição Federal em Art. 5º, inciso XLII:


“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.”


Mas seria, portanto, a consciência negra apenas o reconhecimento de que não se pode incidir na prática de racismo para não sofrer as penas da lei?


Para compreender o significado desta data é necessário ir até o seu mito de origem – O conhecido Quilombo dos Palmares e a sua luta pela liberdade que durou um século inteiro durante o escravismo no Brasil. É muito comum compreender Palmares como apenas um refúgio dos negros escravizados, um esconderijo mata adentro para fugir da crueldade dos senhores, mas Palmares significou muito mais do que isso.


Para Clóvis Moura, um dos mais importantes intelectuais negros do Brasil, Palmares foi uma sociedade alternativa, criada em contraponto ao modo de produção escravista, era uma proposta antagônica baseado nos saberes políticos, econômicos, sociais e culturais da diversidade presente na cosmogonia Bantu.


Se o Brasil Colônia era baseado no latifúndio, na coisificação do negro escravizado (a sua completa desumanização e transformação em objeto, propriedade privada de outrem) e na imposição cultural dos valores culturais e religiosos da sociedade europeia, Palmares foi o completo contrário – uma sociedade baseada na propriedade e uso coletivos terra, em oposição ao escravismo a produção do trabalho era distribuída internamente nos territórios do quilombo para todas as pessoas e a sociedade palmarina era multiétnica, conviviam entre sai a diversidade de valores, línguas e sagrado dos povos Bantu que aqui se encruzilharam e produziram novas formas de existir no mundo nas quais se apoiou a luta pela liberdade e igualdade.


Por isso Moura compreendeu Palmares como República de Palmares. Além de possuir sistema cultural, econômico e social, possuía também um sistema político extremamente democrático para a sua época, na qual todos os territórios palmarinos estabeleciam representes políticos que levavam suas pautas ao governo central. Em seu auge, A república palmarina foi reconhecida diplomaticamente pelo poder colonial e realizava comércio com seu território próximo, além de atacar fazendas para libertar escravizados. Há registro, inclusive, de povos indígenas e pessoas brancas perseguidas pela sociedade vivendo em Palmares.


Esse pensamento não se restringe a Moura, a maior parte do pensamento negro brasileiro ao longo do século XX enxergava Palmares como um Estado, pensadores como Abdias Nascimento e Beatriz Nascimento. Com todos esses valores políticos extremamente modernos para o Brasil Colônia durante o século XVII, quase todos dois séculos antes da Revolução Francesa. Na época, ficou conhecido como “Ngola Djanga” que em quimbundo (uma das línguas bantus mais frequentes no Brasil) significa “Pequena Angola”. O ponto central aqui é que a República de Palmares ou Ngola Djanga foi o primeiro Estado livre das Américas, mãos de um século da Independência dos Estados Unidos (ou Revolução Americana) de 1776.


O feriado da Consciência Negra, por sua vez, foi criado pelos movimentos negros na década de 1970 em oposição ao 13 de maio (data da inconclusa abolição da escravidão), proposto pelo Grupo Palmares de Porto Alegre, o 20 de novembro virou agenda nacional e pauta central da mobilização negra. Foi no dia de 20 de novembro de 1695 que Zumbi dos Palmares (o maior líder militar de Palmares), depois de resistir bravamente com o exército palmarino foi traído e assassinado.


O Dia da Consciência Negra representa a coragem de grandes pessoas negras como Zumbi dos Palmares e Dandara, mas simboliza mais ainda a capacidade e o potencial que a luta organizada da população negra alcança, a consciência negra é onde reside o mais bem sucedido projeto de nação já realizado no Brasil. A consciência negra é, portanto, história, memoria, luta e resistência, assim como é o mundo novo por vir.

O quilombo foi uma nação em defesa da vida das pessoas negras contra a morte inerente ao cativeiro. Toda iniciativa de defesa do direito à vida do povo negro e de combate aos mecanismos da sociedade que buscam seguir a marcha do genocídio do povo negro no Brasil.


Palmares é o primeiro programa de proteção da história do Brasil e no momento em que o Centro Popular de Formação da Juventude escolheu assumir a execução de iniciativas que possuem origem na sociedade civil organizada, como o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), que é a principal política pública de combate ao genocídio da juventude negra no Brasil, e o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) que protege quem, assim como Zumbi e Dandara dos Palmares, luta, assumiu o legado de Zumbi dos Palmares.


Além desses grandes programas, executar o Projeto Família Solidária que acolhe e promove os direitos humanos das infâncias e juventudes ameaçados de morte no Brasil é assumir a mesma tática do quilombo. Não só combater a ameaça e a violação dos direitos, mas garantir possibilidades de uma vida melhor. Por esse caminho, mais do que o legado de Palmares, o Família Solidária é aquilombamento é parte dos caminhos históricos da Consciência Negra.

A consciência negra é o mundo novo por vir e esse trabalho de proteção, defesa e promoção dos direitos das infâncias e juventudes, dos direitos de quem luta, é parte da Consciência Negra e dos caminhos históricos abertos e trilhados em Ngola Djanga.

 

Vinicius Souza é cientista social do Centro Popular de Formação da Juventude, historiador especialista em direitos humanos e Lutas Sociais e pós-graduando em Direitos de Crianças e Adolescentes, Interculturalidades e Mudanças Climáticas.


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ASCOM - Vida e Juventude

 
 
 

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