Entre lutas e conquistas: uma voz em movimento pelos direitos humanos
- ASCOM

- há 5 dias
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Mulher trans, militante dos direitos humanos, produtora cultural e integrante do Conselho Estadual de Mulheres do Paraná, Renata Borges transforma a própria história de violações em ação coletiva

Criada em uma família de base sindical, Renata cresceu entre assembleias e ruas ocupadas por quem lutava por trabalho e dignidade. O pai, bancário e sindicalista nos anos 1980, foi sua primeira referência de mobilização. Foi também nesse ambiente que ela percebeu os limites de uma luta que, por muito tempo, não nomeava as intersecções entre classe, raça e gênero. “Vivi uma década em que raça e gênero não eram trabalhados, mas fui uma das protagonistas em trazer essas pautas no Paraná.”
Nos anos 1990, enquanto o país vivia privatizações e mudanças estruturais, Renata passou a se reconhecer como mulher e compreendeu que sua luta estava mais próxima da luta das mulheres do que do movimento LGBT de então, majoritariamente masculino. “O mesmo crime de ódio que atinge uma mulher ao ser violentada era o que eu também sofria. O mesmo cerceamento de não poder sair à noite sem ser assediada também me atingia.”
Diante desse cenário, as primeiras violações vivenciadas pela defensora recaíram sobre o direito à saúde, quando teve o atendimento negado por não ser chamada pelo nome social — além de enfrentar outras formas de desrespeito em diferentes contextos sociais. “Durante muito tempo não acessei a saúde porque eu era violada, não era respeitada. Ser pioneira dói: você é humilhada, constrangida e, quando reivindica, é criminalizada por desacato.”
A resposta à violência foi a ação política: presença em conselhos, conferências e movimentos sociais, incidindo por direitos e pela ampliação de políticas públicas voltadas à população LGBTQIAPN+, como o reconhecimento do nome social. Conquistas que, ela destaca, nasceram da participação social e da força coletiva.
Entre várias pautas de luta, Renata ressalta que a questão do trabalho é uma pauta urgente que exige atenção do Estado, especialmente diante dos entraves que a falta de oportunidades e o silêncio sobre empregabilidade impõem à vida das pessoas trans. “Vejo sindicatos falarem da luta do trabalhador, mas dentro deles não há nenhuma mulher trans trabalhando, nem servindo café. Muitas vezes nos usam como pauta, mas não nos empregam.”
Para ela, discutir empregabilidade implica enfrentar a exclusão escolar histórica das mulheres trans e o tabu em torno do trabalho sexual. “Falam em abrir vagas para pessoas trans, mas a maioria não acessou o fundamental e o médio porque o ambiente escolar é hostil. E ninguém quer discutir prostituição. Há uma lacuna enorme de políticas públicas para profissionais do sexo.”
Ao abordar o tema, Renata também lança luz sobre as interseccionalidades e reforça que a superação da transfobia está diretamente ligada ao enfrentamento do racismo estrutural. “Não tem como resolver a transfobia se a gente não resolver o racismo. Enquanto a mulher negra estiver na base da pirâmide, as mulheres trans também não sairão de lá.”
Redes de cuidado, cultura e defesa de direitos
Além de militante, Renata é produtora cultural. Atua na organização de ações voltadas à defesa dos direitos humanos, com foco na comunidade LGBTQIAPN+, articulando mobilização de base, formação política, articulação com serviços públicos e cuidado em rede, especialmente junto a mulheres trans, profissionais do sexo, pessoas privadas de liberdade e seus familiares.

Em cidades do interior do Paraná, acompanha grupos de mulheres de pessoas presas e mulheres trans encarceradas. Em parceria com defensorias públicas e organizações da sociedade civil, articula cestas básicas e promove ações de acesso à informação e a direitos. “Não é porque a pessoa errou que não possa construir outra narrativa. Meu sonho é devolver seres humanos melhores para a sociedade.”
No diálogo com profissionais do sexo, Renata insiste na necessidade de políticas de saúde e proteção social, que incluam busca ativa na Atenção Básica, testagem rápida, acesso a tratamento e combate à desinformação sobre ISTs. “A UBS pode e deve fazer busca ativa. Sem educação, como falar de HIV e sífilis? Precisamos desmistificar a prostituição e garantir políticas públicas.”
É nessa tessitura que ela costura ações de prevenção, distribuição de insumos, rodas formativas e encaminhamentos para políticas públicas, conectando território, cultura e direitos em um mesmo movimento de resistência e cuidado.
Educação e esperança como caminhos de transformação
O ingresso na universidade, pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), marcou uma virada em sua trajetória e abriu um novo campo de atuação, reunindo saberes para o fortalecimento de sua militância em direitos humanos. A experiência também lhe possibilitou dialogar com jovens que vivenciam outro momento da luta da comunidade LGBTQIAPN+. “O Direito abriu um véu, me trouxe novos horizontes. Na academia, eu reconheço o que não sei e busco me qualificar. O conhecimento nos fortalece como defensoras de direitos humanos.”
Renata celebra o que chama de renovação geracional: ver jovens trans na universidade, ocupando espaços antes negados. “Meu sonho é que elas simplesmente vivam, sem precisar justificar a identidade. Lutamos para que as mais novas não precisassem brigar pelo nome social, e hoje elas podem só existir.”
Além do trabalho cotidiano, integra o Conselho Estadual de Mulheres do Paraná e foi convidada para a 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (5ª CNPM) — espaços onde sua experiência se transforma em incidência qualificada. Como produtora cultural, conecta linguagens artísticas, formação política e cuidado comunitário, fortalecendo a autonomia de quem resiste nos territórios.
A trajetória de Renata é feita de enfrentamento, mas também de esperança. No presente, ela escolhe a formação e o cuidado — e segue abrindo caminho para que outras vivam o que lhe foi negado. “As meninas talvez não saibam o quanto lutamos, mas o sonho virou realidade: temos travestis e mulheres trans na academia ensinando outras. É por isso que seguimos.”,
Direitos Humanos em Movimento
A história de Renata Borges integra a série especial de matérias intituladas: “Direitos Humanos em Movimento”, produzida pelo Centro Popular de Formação da Juventude – Vida e Juventude. A série busca dar visibilidade às pessoas e comunidades que dedicam suas vidas à defesa dos direitos humanos em diferentes territórios do país.ntituladas: “Direitos Humanos em Movimento”, produzida pelo Centro Popular de Formação da Juventude – Vida e Juventude. A série busca dar visibilidade às pessoas e comunidades que dedicam suas vidas à defesa dos direitos humanos em diferentes territórios do país.
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