13/08/2024
Foto - Reprodução
“Prefiro morrer na luta do que morrer de fome” (Margarida Alves)
Por Letícia Chimini⠀⠀⠀⠀
As camponesas são defensoras dos direitos humanos e no Brasil arrancaram direitos para a totalidade da classe trabalhadora. Nas raízes da formação sócio-histórica do Brasil, o campesinato planta resistência, colhe direitos, mas também as várias formas de violências plantadas pelo Estado aliado ao capital. A violência que matou Margarida Alves e Roseli Nunes segue ceifando vidas, ameaçando sujeitos da história e criminalizando quem ousa alterar a ordem hegemônica dos privilégios no Brasil. Não é só a bala de uma arma que provoca a morte, a negligência do Estado mata, tanto quanto, e a conivência mata ainda mais.
Completaram-se 41 anos desde o assassinato de Margarida Alves. Conclamamos todos e todas para refletirem sobre a violência no campo, abordando as questões estruturais que envolvem a luta por terra (e recursos naturais) e território, dando visibilidade às formas violentas e desigualdades que decorrem dos conflitos na luta de classes. Essas, nos remetem para a formação de um país que assentou suas estruturas na exploração, expropriação e que transitou da democracia dos oligarcas à “democracia do grande capital” sem uma desagregação radical da herança colonial que conformou a estrutura agrária brasileira (IAMAMOTO, 2015).
Alguns nomes são conhecidos e foram visibilizados pela história, outros tantos apagados. O nome das mulheres tem reconhecimento quando uma tomba lutando. Margarida Maria Alves foi dessas mulheres, cuja luta pelos direitos trabalhistas e pela reforma agrária se fundiu com a própria vida. Sua atuação se tornou alvo de ameaças e perseguições por parte de proprietários de terras e grupos poderosos contrários à luta coletiva que fazia. Ela foi assassinada em 12 de agosto de 1983, em frente à sua casa por pistoleiros contratados.
A violência se apresenta como uma dimensão fundamental para a compreensão do capitalismo dependente no contexto brasileiro e contribui para a análise da relação entre acumulação capitalista e a manutenção do poder das classes dominantes. Marx (1984) já apontava em sua obra a violência como potência econômica presente no processo de acumulação capitalista, especialmente na fase de acumulação primitiva do capital. A partir da análise de Marini (2000), Bambirra (2023) e Castelo (2021) é possível identificar que a violência é também uma categoria central na compreensão do capitalismo dependente no contexto brasileiro, cuja origem remonta um contexto de domínio das elites agrárias, conservadoras, escravista e coronelistas (SALVADOR, 2002), quase um retrato do congresso nacional brasileiro. Essa marca registrada na história do Brasil, transversaliza todas as fases desde a Colônia, do Brasil Independente, da Velha República, da República Nova, da Ditadura Civil-Militar, chegando ao Brasil atual (SALVADOR, 2002; CERQUEIRA FILHO, 1982).
A insistência da mídia hegemônica, que fez sua fortuna na ditadura militar, engana propositalmente a sociedade brasileira quando coloca na mesma propaganda o pequeno agricultor, a camponesa e o latifundiário, no intuito de desmobilizar a identidade camponesa e colocar em um mesmo contexto latifundiários e a agricultura camponesa familiar. Engana o povo quando utiliza a floresta e as monoculturas na mesma mídia para pintar de verde o que está manchado de sangue. O Agro não é top, o agro é veneno na mesa. O Agro é fome! Cabe ainda, inferirmos sobre os números divulgados pelo censo agropecuário que denuncia desde 2006 que o agro (latifúndio) possui cerca de 70% das terras agricultáveis, utilizam 70% dos recursos públicos para produção e produzem apenas 30% da comida que vai para a mesa do povo brasileiro3 (BRASIL, 2017). O restante são commodities, mercadoria em sua forma bruta.
A violência que enfrentou Margarida Alves é estruturante da formação brasileira. Margarida Maria Alves foi a primeira mulher a presidir o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, por 12 anos, em plena ditadura militar brasileira, realizando diversas denúncias e judicializando ações trabalhistas. O seu caso é representativo do contexto generalizado de ataques e assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil, pois foi assassinada em sua residência, com vários disparos à queima roupa, na frente de toda a comunidade, vizinhos e familiares por um indivíduo que não fez questão de esconder seu rosto.
A organização coletiva é uma ferramenta da classe trabalhadora na luta contra os processos históricos de violência que geraram o empobrecimento no campo, o êxodo rural, a negligência das políticas públicas nos territórios onde vivem e trabalham o povo campesino, o subjugo da identidade e da cultura dos diversos povos indígenas e quilombolas, contra a miséria nas cidades, o racismo que estrutura a violência contra o povo negro e que condena à morte crianças e jovens nas periferias, e contra a desigualdade de gênero que chancela a certeza da injustiça e da impunidade.
Neste 12 de agosto de 2024, ao percorrermos as trilhas das raízes históricas, que possamos nos tornar Margaridas na luta pela terra liberta e pela emancipação humana.
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Letícia Chimini é Assistente Social, compõe a equipe federal do PPDDH, formou-se pela Universidade de Santa Cruz do Sul em 2005, com especialização em Ciências Políticas e possui mestrado em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição em 2015. É Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em 2021. Atua na docência no ensino superior, na pesquisa e extensão. Autora do livro “A Questão Agrária no Capitalismo Dependente: Elementos da Questão Social e a Resistência do Campesinato Brasileiro”, resultado da tese de doutoramento da autora.
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Assessoria de Comunicação - ASCOM
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